RECENTES DESENVOLVIMENTOS EM AMBOS OS PAÍSES
1. Introdução
O sistema financeiro à escala europeia reflecte-se, com a introdução do Euro, em mercados de maior dimensão e, à escala mundial, numa economia cada vez mais global, tendo desencadeado um processo de fusões e concentrações que, naturalmente, também se verificou em Espanha e Portugal.
Num período recente, assistiu-se de facto já a uma série de concentrações empresariais em ambos os países, em especial no sector financeiro, da energia e telecomunicações e na construção.
As mais demonstrativas desta nova realidade são as recentes fusões na Banca: O Banco Comercial Português (BCP), depois de absorver o Banco Português do Atlântico e o Banco Mello, anunciou mais recentemente, neste mesmo mês de Março, uma troca de participações com o Banco Sabadell.
Por seu lado, o Banco Português de Investimento (BPI), que já absorvera anteriormente o Banco Fonsecas & Burnay, o Borges e Irmão e o Banco do Fomento Exterior, anunciou uma próxima fusão com o Grupo Espírito Santo.
2. A aquisição BSCH/Champallimaud
Mas, o mais conturbado processo de aquisição tem sido o do Banco Santander Central Hispano ao Grupo Champalimaud, no qual o primeiro tenciona adquirir o último.
Em Junho de 1999, o Banco Santander Central Hispano (BSCH) e António Champalimaud celebraram um acordo, pelo qual era conferido ao Banco Santander o controlo conjunto do grupo de empresas financeiras de Champalimaud.
O governo português, por decisão do seu Ministro das Finanças de 18 de Junho de 1999, opôs-se à operação, invocando fundamentalmente a circunstância de a mesma não lhe ter sido comunicada previamente e razões de carácter prudencial.
Foi designadamente invocada a falta de notificação prévia pelo Banco Santander Central Hispano às autoridades supervisoras da sua intenção de, directa ou indirectamente, adquirir mais de 10% de uma Companhia de Seguros, no caso a Mundial Confiança, por sua vez detentora de participações financeiras nos bancos dominados pelo Grupo Champalimaud.
O veto do governo português desencadeou um conjunto de precedentes com diversas consequências práticas, com destaque para a limitação dos direitos de voto conjuntos do Banco Santander Central Hispano e de António Champalimaud na Mundial Confiança aos votos correspondentes a 10% do capital social.
Por seu lado, a Comissão Europeia considerou que o veto e as medidas acessórias desencadeadas pelo poder público ao abrigo da legislação portuguesa interna, designadamente a inibição dos direitos de voto, era uma medida desproporcionada e uma infracção à legislação comunitária.
Assim, a Comissão Europeia decidiu em 20 de Julho de 1999 suspender as medidas tomadas pelas autoridades portuguesas, considerando nulo o veto do governo português e, por nova decisão de 3 de Agosto de 1999, autorizou a aquisição pelo Banco Santander Hispano do controlo conjunto do grupo de empresas de António Champalimaud, por entender que se tratava de uma operação de concentração da exclusiva competência da Comissão, dado o volume de negócios dos dois grupos envolvidos.
A Comissão declarou ainda que a operação era compatível com as regras da concorrência da União Europeia, pois não originava a criação de uma posição dominante, uma vez que as duas entidades não detinham por si só partes superiores a 20% do mercado bancário e do mercado de seguros em Portugal.
Não obstante a decisão da Comissão ter um efeito directo e imediato, podendo ser invocada perante os tribunais portugueses, o governo português manteve a sua decisão, não aceitado levantar o seu veto à operação.
A insistência no veto originou a abertura, em 08 de Setembro de 1999, de um processo de infracção acelerado (previsto no art. 226° do Tratado de Amsterdão) contra o Estado Português, por se considerar que a decisão portuguesa violava os princípios da livre circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento, bem como as regras vigentes nas directivas comunitárias sobre a actividade seguradora.
Posteriormente foi renegociada entre o Grupo Champalimaud e o Banco Santander Central Hispano a revisão dos acordos, com vista a adaptá-los às exigências do governo português, renegociação essa politicamente desejada e que mereceu o acordo do novo Ministro das Finanças.
O curioso desta operação é que o Banco Santander Central Hispano acabou por ser autorizado não só adquirir o controlo conjunto, como a totalidade das acções detidas por Champalimaud, correspondentes à titularidade de 51,8% do capital da seguradora Mundial Confiança (por sua vez titular de 53,3% dos direitos de voto do Banco Pinto & Sotto Mayor, de 95,24% dos direitos de voto do Banco Totta & Açores e de 70,57% dos direitos de voto no Crédito Predial Português), com o compromisso de as alienar à Caixa Geral de Depósitos.
Por seu lado, a Caixa Geral de Depósitos assegurou a posterior venda ao Banco Santander Central Hispano de todas as participações no capital social dos Bancos Totta & Açores e Crédito Predial Português.
Esta operação ainda está a decorrer, só que, naturalmente, desta vez com a autorização do governo português.
No meio de tudo isto, houve ainda muita agitação suplementar quando o Banco Comercial Português anunciou, de forma hostil, uma oferta pública de troca de acções da Mundial Confiança por acções do BCP. O Banco Comercial Português lançou também de seguida duas OPAs sobre o Banco Pinto & Sotto Mayor e o Crédito Predial Português.
Por seu lado, a Mundial Confiança, na qualidade de accionista do Banco Comercial Português, tentou impugnar a decisão da assembleia geral que viabilizou as aludidas operações, tendo também havido por outro lado tentativas de destituição das administrações da Mundial Confiança e do Banco Pinto & Sotto Mayor em assembleia extraordinária para o efeito convocada.
Finalmente, no âmbito já do novo acordo, foi efectuada uma nova oferta de aquisição pelo Banco Comercial Português apenas sobre o Banco Pinto & Sotto Mayor, que nesta altura ainda não se sabe se vai ficar na posse da Caixa Geral de Depósitos ou a quem vai ser vendido.
A título de curiosidade, segundo recentíssima notícia publicada ontem (24 de Março) na imprensa, no concurso limitado que a Caixa Geral de Depósitos fez para concretizarem propostas de compra sobre o Banco Pinto & Sotto Mayor, apenas o Banco Comercial Português e o Banco Santander Central Hispano manifestaram interesse de compra.
Lamentavelmente a solução «politicamente correcta» impediu-nos, sob o ponto de vista técnico, de aprofundar a investigação quanto ao actual estado de amadurecimento substantivo entre a norma nacional e a norma comunitária, seu relacionamento e apreciação jurisdicional.
É finalmente de registar também que a operação de compra pelo Banco Santander Central Hispano já está a decorrer ao abrigo do novo regime estabelecido no novo Código dos Valores Mobiliários, de que falaremos mais adiante, onde passou a estar previsto no art. 190° a suspensão do dever de lançamento de uma OPA se a entidade a isso obrigada comunicar nos termos legais à CMVM e se obrigar a pôr termo à situação nos 120 dias subsequentes.
3. Fusões e aquisições nos termos da legislação portuguesa
Antes de analisar algumas das recentes alterações legislativas nestas matérias, irei ainda, muito sumariamente, esquematizar o enquadramento legal das fusões e aquisições em Portugal.
O processo jurídico de fusão vem regulado pelo Código das Sociedades Comerciais, nos seus arts. 97° a 117° e decompõe-se essencialmente nas seguintes fases:
Uma primeira que é a elaboração do projecto de fusão pelos administradores das sociedades a fundir, devendo o respectivo projecto conter uma série de elementos, constantes do art. 98° do C.S.C..
Uma vez elaborado, o projecto de fusão deve ser submetido à apreciação dos órgãos de fiscalização das sociedades e de um Revisor Oficial de Contas independente.
Segue-se a aprovação do projecto pelas assembleias gerais devendo posteriormente ser efectuado o averbamento ao registo do projecto aprovado e publicados os respectivos anúncios que comuniquem aos credores sociais o seu direito de oposição à fusão, que poderá ser exercido no prazo de 30 dias.
De seguida, pode ser outorgada a escritura de fusão e, não tendo sido no prazo referido deduzida oposição judicial, deverá a Administração de qualquer das empresas intervenientes requerer, no prazo de 90 dias, a inscrição de fusão no registo comercial.
Só após esta inscrição é que se produz a extinção das sociedades incorporadas ou fundidas, conforme tenha sido uma sociedade incorporante ou o caso de constituição de nova sociedade, tornando-se os sócios das sociedades extintas sócios efectivos da sociedade incorporante ou da nova sociedade.
Existe um processo de fusão simplificado (previsto no art.116º do C.S.C.) no caso em que uma sociedade incorporante ou o caso de constituição de nova sociedade, tornando-se os sócios das sociedades extintas sócios efectivos da sociedade incorporante ou da nova sociedade.
Uma primeira especialidade resulta de, neste caso, não haver lugar à fixação de uma relação de troca de participações sociais, sendo também dispensados os relatórios dos órgãos sociais e peritos da sociedade incorporada.
Nestes casos, existe a possibilidade de, mediante alguns requisitos, se realizar a fusão sem dependência de deliberações prévias das assembleias gerais, passando-se directamente da fase do projecto para a fase da escritura de fusão.
Como se sabe, os processos de fusão costumam ser demorados, sendo em muitos casos consideradas outras hipóteses para obter o controlo do negócio de uma empresa, nomeadamente a possibilidade de adquirir os activos e o estabelecimento comercial da empresa alvo.
Nestes casos, apresentam-se porventura algumas vantagens, não assumindo a sociedade adquirente o passivo da sociedade adquirida, nem por regra as responsabilidades do seu pessoal, podendo o preço de aquisição ser totalmente amortizado.
A compra de activos permite também seleccionar apenas alguns, ou seja, a parte do negócio que realmente interesse ao adquirente, não herdando as práticas contabilísticas e financeiras da empresa alvo, nem as suas dívidas actuais e emergentes.
Quando as empresas alvo têm contratos de franchising, eles deverão ser muito bem analisados, pois que geralmente têm cláusulas de opção out em caso de alteração de controlo accionista do franchisado.
A compra de activos revela-se também interessante sempre que as empresas alvo se encontrem em situação financeira difícil, com passivo muito incerto.
No caso particular das empresas que recorreram a processos especiais de recuperação da empresa e da falência (DL nº 132/93, de 23.04, na sua actual redacção dada pelo DL nº 315/98, de 20.10) ou ao procedimento extrajudicial de conciliação (DL nº 316/98 de 20.10), haverá outros intervenientes, nomeadamente o gestor judicial e o Tribunal, que se tornam mediadores no conflito de interesses.
4. Implicações Fiscais
Em sede fiscal, o Código do IRC estabelece o regime especial aplicável às fusões nos seus arts. 62° a 64°A, resultando desse regime o princípio da neutralidade fiscal para as fusões e cisões de empresas.
No que respeita aos sócios das sociedades fundidas, não haverá apuramento de ganhos ou perdas para efeitos fiscais em consequência da fusão, desde que estes mantenham na sua contabilidade as novas participações registadas ao mesmo valor que se encontravam nas originárias. Poderão contudo ser tributados os sócios relativamente a importâncias recebidas em dinheiro.
O disposto no artigo 62° do Código do IRC aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, aos casos de fusão e cisão de sociedades, tal como estas operações são definidas na Directiva n.° 90/434/CEE, de 23 de Julho de 1990, em que intervenham também sociedade ou sociedades de outros estados membros das Comunidades Europeias, desde que todas as sociedades intervenientes se encontrem nas condições estabelecidas no artigo 3° da referida directiva.
As transmissões operadas no âmbito de fusões e aquisições não estão sujeitas a IVA (art. 3° n.° 4 do Código do IVA), mas as transmissões de imóveis na sequência de uma fusão ou aquisição estão sujeitas a imposto de SISA - art. 8° n.° 15 do Código da SISA.
No entanto, a recente alteração feita ao Orçamento de Estado de 1999 isentou do pagamento de SISA a transmissão de imóveis por empresas que, de l de Janeiro de 1999 até 31 de Dezembro de 2002, se reorganizem em resultado de actos de concentração ou de acordos de cooperação. Foi também, neste caso, incluída a isenção de emolumentos e outros encargos legais devidos pela prática daqueles actos.
De referir porém que no caso de aquisição de acções não há lugar ao pagamento de SISA, apenas havendo lugar a este imposto no caso de aquisição de quotas em que um único sócio fique a deter 75% ou mais do capital social, sendo a respectiva taxa de 10% para prédios urbanos ou terrenos para construção e de 8% nos restantes casos.
Nas transmissões operadas por fusão poderá haver uma redução de taxa para 4%, redução essa que deverá ser solicitada antes da fusão.
O Orçamento de Estado para 1999 estabeleceu a continuação do regime de incentivos à aquisição de empresas em situação difícil, instituído pelo DL n. ° 14/987, de 28.01, que passa também a aplicar-se aos processos aprovados pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI) e ao investimento no âmbito do SIRME (Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização Empresarial).
Este regime veio permitir à sociedade adquirente deduzir no seu lucro tributável os prejuízos fiscais da sociedade adquirida verificados nos cinco anos anteriores ao início da aplicação do regime especial, não podendo o montante dos prejuízos exceder 60% do lucro tributável da sociedade adquirente e podendo ser deduzido em cinco exercícios.
Este regime fica contudo dependente da celebração de acordos de consolidação financeira e reestruturação empresarial através do SIRME.
5. Recentes desenvolvimentos na Legislação Portuguesa
Por último, iremos falar sobre algumas das mais recentes alterações legislativas em Portugal relativas a sociedades abertas e ofertas públicas de aquisição, introduzidas pelo novo Código dos Valores Mobiliários, que entrou em vigor em 01 de Março corrente e veio substituir o anterior, que datava de 1991.
O novo Código dos Valores Mobiliários, como aliás a alteração do nome já indica, passou a abranger uma aplicação material que excede o regime dos mercados de valores mobiliários, tendo, com a sua entrada em vigor, sido revogados diversos artigos do Código das Sociedades Comerciais, entre eles os arts. 326° e 327° que até aí regulamentavam a transmissão de acções nominativas e ao portador e os arts. 330° a 340°, relativos aos anteriores regimes de registo e depósito de acções.
A transmissão dos títulos ao portador passou a estar regulamentada no art. 101° do novo Código dos Valores Mobiliários, que veio determinar que essa transmissão continua a ser efectuada pela entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado, mas passou a dispor que, se os títulos já estiverem depositados, a transmissão se efectua por registo na conta do adquirente, com efeitos a partir da data do requerimento do registo.
A transmissão de títulos nominativos passou a estar prevista no art. 102° do CVM, efectuando-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro que a represente, deixando de ser necessário o averbamento anteriormente obrigatório no livro de registo de acções da sociedade, livro este que deixou de ser obrigatório.
Foram eliminados os anteriores títulos ao portador registados, porquanto as razões fiscais que tinham motivado a sua criação deixaram de se verificar por virtude de os valores mobiliários escriturais e titulados depositados em sistema centralizado serem obrigatoriamente registados.
14
Pelas alterações introduzidas pelo DL n.° 486/99, de 13.11, no art. 117° do Código do IRS, as comunicações de alienação para além de efectuadas pelas instituições de crédito ou intermediários financeiros intervenientes, passaram a ter de ser efectuadas, nos demais casos, pelas pessoas intervenientes, no prazo de 10 dias.
Uma interessante alteração foi que o novo Código dos Valores Mobiliários passou a denominar como «sociedade aberta» as anteriormente designadas «sociedade de subscrição pública» e «sociedade com subscrição pública», pondo fim às divergências de nomen iuris e de disciplina entre o Código das Sociedades Comerciais e o Código do Mercado dos Valores Mobiliários.
Além desta unificação de conceito e de disciplina, o novo Código, em ordem a limitar as situações de aquisição involuntária da qualidade de sociedade aberta, admite a possibilidade de as sociedades fechadas ao investimento do público estabelecerem uma cláusula estatutária fazendo depender a realização de oferta pública de venda ou de troca de autorização da assembleia geral (artigo 13.° n.° 2), para o caso de terem sido alienadas acções em quantidade superior a 10% do capital social em oferta pública de venda dirigida especificamente a pessoas residentes em Portugal.
Também o regime das ofertas públicas foi objecto de actualização. Relativamente às ofertas públicas de aquisição (OPA) obrigatórias, o novo Código assenta na ideia geral de que os benefícios da aquisição de domínio sobre uma sociedade aberta devem ser compartilhados pelos accionistas minoritários.
E, neste sentido, veio agora instituir como condições constitutivas do dever de lançamento de uma oferta pública de aquisição, a detenção de 1/3 do capital de uma sociedade aberta ou de metade dos direitos de voto correspondentes ao capital social.
Anteriormente, o adquirente de uma sociedade de subscrição pública só era obrigado a proceder a uma oferta pública de aquisição se detivesse mais de metade dos direitos de voto correspondentes ao capital da sociedade visada.
O não cumprimento desta obrigação de lançamento de OPA passou a implicar não só a inibição dos direitos de voto, como a inibição do direito a dividendos inerentes às acções que excedam o limite a partir do qual o lançamento seria devido.
Em relação a aquisições tendentes ao domínio total, foi aditado pelo DL n.° 486/99, de 13.11 (que aprovou o Código dos Valores Mobiliários), um n.° 7 ao artigo 490° do Código das Sociedades Comerciais que veio estabelecer para a aquisição tendente ao domínio total de uma sociedade aberta o regime actualmente disposto no novo Código dos Valores Mobiliários.
Uma das preocupações principais do legislador foi afinal proteger o pequeno investidor. Este novo Código pretendeu sobretudo ser uma consolidação legislativa e de aperfeiçoamento técnico em relação ao anterior, com uma diminuição em cerca de metade do número de artigos, mas com uma redução da dimensão total do diploma para cerca de um terço, e com a introdução de conceitos indeterminados que lhe permitam assegurar uma possível maior vigência.
JORGE LEÃO
Madrid, 25 de Março de 2000, Publicado na Gazette AIJA nº71, 2002
Av. da Boavista, nº 1681 – 7º S. 1, 4100- 132 Porto
+351 223 391 990
+351 223 391 999
jfl@jorgeleao.pt